domingo, 19 de outubro de 2008

Infelizmente, sempre actual...

Porque há quem não esqueça que existem Valores de Liberdade, de Responsabilidade, de Justiça, de Respeito pelos Direitos Humanos, transcrevo um excerto de um poema de Jorge de Sena (1919-1978). Reparem como, em pleno século XX, as preocupações do Padre António Vieira se mantinham actuais! E ainda hoje...
Sempre?? receio que assim seja!!
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CARTA A MEUS FILHOS
sobre os fuzilamentos de Goya
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Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
(...)
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(sublinhados meus)
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2 comentários:

Anónimo disse...

Não sei de quem é a frase mas acho-a bastante adequada para este contexto, passo a citar" A nossa liberdade acaba onde começa a dos outros."
Sendo assim eu me pergunto estará o homem conscio de onde termina a sua liberdade?
No meu parecer o homem tem se mostrado cada vez mais hipócrita e egoista, despreza outros e envade a sua liberdade, considera-se "o melhor" ou "o maior", por ter um bocado mais que o outro.


Não nego que a diferença exista mas nego o facto de o ser tão relevante. Recusu-me também a aceitar que existam paises que se chamem "evoluidos" ( Evoluidos em quê? Na tecnologia, na ciência? Ou não deveria ser antes na mentalidade?!)
Mesmo me sentido tão indignada tenho esperança que o mundo de hoje nã seja o de amanha.

MC disse...

Marta, é bom que meditemos nessa realidade que, infelizmente, existe! mas sempre, como diz, com um sentimento de esperança...

(Gostei de a ler por aqui!)
:-)))